quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Mea, nostra culpa





O artigo da atriz Fernanda Torres sobre “Mulher”[1] provocou a reação das feministas de plantão. Houve uma repercussão muito grande, pelo que tenho visto nas redes sociais. Elas arregaçaram as mangas para defender a mulher brasileira que sofre violência, com assédio sexual e estupros. Acharam que ela, do alto de sua posição como branca e da classe média, não respeitou esse aspecto. Foi digno de admiração o posicionamento da atriz, com a resposta humilde que deu ao clamor das feministas, escrevendo um outro artigo intitulado “Mea Culpa”[2], no qual, além de se desculpar, diz que vai ficar mais atenta às reivindicações.
Acho, porém, que está havendo uma confusão aí. Falaram em violência contra a mulher, estupros... não deveríamos buscar explicação para todos os problemas no machismo e no racismo. O problema da violência geral e contra a mulher em particular, no Brasil (e em outros países subdesenvolvidos), se agrava, em grande parte, devido às desigualdades sociais, à falta de instrução nas classes menos favorecidas e ao uso de drogas cada vez mais disseminado. As mulheres, e não só elas, por serem mais fracas fisicamente, acabam levando a pior. Claro, por isso mesmo, elas têm que ter uma proteção especial, diferenciada e mais efetiva... e isso também não é machismo.
Nas classes com melhor instrução e situação financeira, as pessoas não estão tão sujeitas ao desespero de tentar sobreviver e têm mais condição de controlar as agressividades e os instintos; a tendência é de homens e mulheres se ajudarem, cada um com sua própria aptidão e aceitando a aptidão do outro, seja por índole individual ou por características ligadas ao sexo (decorrentes ou não do tipo de educação que tiveram).
Obviamente, as classes mais favorecidas não estão livres de doenças mentais e ocorrem casos de estupros cometidos também pelos mais aquinhoados, além de todos os riscos que todo mundo corre, de todas as faixas sociais, vivendo no Brasil atualmente. Também está bem claro que, em vários lugares do mundo, e no Brasil não é diferente, as mulheres não têm acesso às mesmas posições que os homens, na profissão, apesar de tão capacitadas quanto eles, tampouco recebem salários equitativamente. Ainda há muito a melhorar, não resta a menor dúvida.

É evidente que as consequências da má distribuição de educação e renda, este escândalo histórico em países subdesenvolvidos, não afetam só as mulheres pobres. Toda a população pobre é afetada mais intensamente. Não se trata de machismo. Sucede também que, no Brasil, há mais negros nesta situação, ainda como sequela do grande número colocado à deriva quando da abolição da escravatura. A questão crucial não é o racismo, é a pobreza e a falta de instrução. Essa confusão de assuntos existe justamente por causa da situação caótica em que o país se encontra. Não se sabe que tópico tem a ver com isso ou aquilo. Urge melhorar a educação e as condições de vida do povo brasileiro, coisas que estão sendo sempre colocadas em segundo plano... nem segundo, na verdade, não têm sequer estado em pauta.
Realmente, é preciso acabar com estas discrepâncias, a começar por parar de votar nesses partidos que aumentam a pobreza do país, como temos visto acontecer. É preciso dar fim à desumanização imposta aos pobres e, para isso, tem-se que eliminar as condições precárias de vida.
Relendo o texto tão criticado, vejo que a autora aborda a questão da violência contra a mulher, desaprovando-a totalmente. Também critica a situação de opressão profissional imposta às mulheres. Por essas e por outras, não acho que houve erro na abordagem do tema.
Acho que o que doeu mesmo aos ouvidos feministas foi o último parágrafo e principalmente a frase: “A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o machismo.” Doeu tanto porque, sem querer, foi um puxão de orelha para o feminismo brasileiro que não enxerga que está sendo egoísta: não são só as mulheres que são vítimas, é toda uma multidão de pobres: homens, mulheres, crianças, negros, brancos, índios e mestiços de todas as variedades. Há mais negros nas classes pobres por motivos históricos – sequela ainda do grande contingente de escravos negros que o Brasil teve. Só melhorando a infraestrutura do país é que tudo isso vai melhorar. Não será possível melhorar a condição da mulher se a estrutura por completo não melhorar, incluindo a condição do homem também.
Parabéns para a Fernanda Torres pelos dois textos: por dizer o que pensa e por compreender a posição das outras. A meu ver, as outras estão tão mergulhadas nos seus próprios problemas, que não estão conseguindo vir à tona e olhar para o horizonte. Tiro o chapéu para a Fernanda, que foi altruísta e “homem o suficiente” para pedir desculpas, para continuar podendo cooperar com a causa. Opa! Quero dizer, mulher o suficiente!

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