segunda-feira, dezembro 18, 2017

Contorcendo neurônios...

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(Com a colaboração de meus irmãos e amigos, em muitas noitadas de conversas, regadas a café com leite, com pão e manteiga 😊... Saudades... ultimamente a seco, pela internet)

Para o catolicismo, a Criação é compatível com a Teoria da Evolução de Darwin – vários papas já se pronunciaram a esse respeito e essa “acomodação” entre religião (católica, é bom frisar) e ciência vem progredindo cada vez mais. É possível argumentar, nesse sentido, baseando-se nas conclusões dos estudiosos dessa esfera de conhecimento, sem ferir a lógica.
Sei que não tenho cabedal para explicar toda a doutrina e, mesmo que tivesse, não poderia resumir, em um modesto texto, reflexões e teorias acumuladas em milênios, por homens sábios e inspirados. Mesmo assim, estou fazendo este exercício mental para mim mesma, pois há muitas questões que pairam sem respostas definitivas. Quando alguma coisa me incomoda – embora eu me ancore na fé –, escrever me ajuda muito a colocar em ordem ora meus pensamentos, ora meus sentimentos. Se for bom para outros, “tant mieux”.
Nós nos interrogamos, muitas vezes, por que Deus, em sua bondade infinita, não vem em auxílio dos sofredores. Se nós, que nem somos tão bons assim, somos tomados de compaixão e tentamos abrandar o sofrimento das pessoas, principalmente das que amamos, como é que Deus, que nos ama tanto, não vem nos socorrer? Partindo desse princípio, muita gente passa a acreditar que Deus não existe e que o universo em que vivemos é obra do acaso.
Usando, até certo ponto, a técnica do “advogado do diabo”, conseguimos depurar o pensamento de muitas futilidades. Gosto de usá-la, isso é muito útil. Para quem não sabe a origem da expressão “advogado do diabo”, o link no final do texto explica muito bem [1].
- Em primeiro lugar, não podemos nos esquecer de que nossa inteligência acabou de emergir, de se organizar em pensamento, minimamente, em precárias e frágeis conexões neuronais, no correr duma saga penosa de evolução dessa vida que conhecemos, e na qual conseguimos, ainda com muita dificuldade, manter o corpo erguido contra a gravidade, num estado em que dependemos de muitas reações químicas, físicas e sei lá mais quantas. É impossível querer encaixar tudo em nosso parco entendimento, querer explicar tudo através de nossa percepção das coisas.

- Isso mesmo. Sempre tento-me lembrar disso, quando me empolgo muito em deduções e dúvidas.

Por que existe o sofrimento? O sofrimento é consequência do “pecado original”, na explicação da Igreja. Nessa nossa era da informática, gosto de fazer uma analogia entre o pecado original e um “bug” no computador. Quem usa computadores com muita frequência, provavelmente, já viu acontecer alguma falha desse tipo. Às vezes, um bug faz o computador travar e só é possível reativá-lo se o reiniciarmos. Quando a falha é mais grave, mesmo após ser reiniciado, o computador não vai funcionar em sua capacidade plena e normal. Ele vai passar a apresentar “sofrimentos”. Já adotei, também, uma outra analogia, na maior cara de pau – os teólogos que me perdoem – a de comparar o “reiniciar” do computador com o “Big Bang”.
O universo foi reiniciado após o pecado original, com todo esse sofrimento que constatamos nele, sem sua capacidade plena e normal... Voilà.

- Essa analogia não foge ao que é dito nas Sagradas Escrituras? No Gênesis?

- De modo algum. Pelo relato do Gênesis, tudo ia bem, até que Adão e Eva (representação icônica daquela humanidade) desobedeceram. Após essa falha, eles entraram em grande decadência e, com eles, todo o sistema de vida. As coisas passaram a ser da maneira como aprendemos na nossa “ciência”, como a matéria vem evoluindo – e que sofrimento atroz até se chegar a um ser pensante! dentro desse processo doloroso que promove e leva à finitude. Os vários elementos do material de que é feito o universo – matéria/energia – vão-se rearranjando na construção de vários tipos de corpos, sistemas... Essas formações vão-se perdendo, em seguida, e outras vão-se formando, para se perderem, cada uma por sua vez, usando um “pool” de material autorreciclável – isso é como um “loop infinito”, um círculo vicioso!

- Insistindo ainda no Gênesis, como dar-lhe credibilidade? Existem outros relatos semelhantes feitos por outros povos. Isso não seria uma lenda literariamente recontada como se fosse algo considerado verdadeiro?

- Penso que esses relatos todos são fruto de reflexões inspiradas. Do mesmo jeito que filósofos, matemáticos, físicos do nosso tempo pegam o bonde andando nos estudos de seus predecessores, assim também deve ter acontecido com aqueles escritores do Antigo Testamento, num linguajar que, muitas vezes, é ou nos parece ser alegórico e poético – já faz tanto tempo, a maneira de encarar a ciência era outra.

Sem divagar tanto, o que está sendo colocado em xeque nas minhas interrogações aqui, como disse no início, e que coloco como ponto de partida para puxar o raciocínio, é a bondade de Deus no “tutorial” católico... Considerando-se que só Deus é bom (palavras de Jesus Cristo em Mateus 19:16-22), consequentemente, ninguém mais é bom, ou seja, ninguém nunca experimentou o que é ser bom. Logo, o que chamamos de bom, mau, bem ou mal, não tem nada a ver com a bondade de Deus. As expressões que usamos, como "Deus é bom", "Deus é Amor", são o que temos para articular palavras, nos limites de nossa anatomia, digamos assim, mas estão muito longe de qualquer precisão.

- Dentro do nosso contexto humano, a dualidade bem e mal tem gradações e é avaliada e percebida de forma variada de uma comunidade para outra. Somos muito primitivos, ainda em fase de formulação do que é bom e do que não é.

Nenhum de nós consegue ser somente bom, nem somente mau. Essas intensidades diferentes de bondade ou maldade são, no final das contas, variantes de sofrimentos que apresentamos. Se falarmos numa linguagem que costumamos usar no meio médico para quantificar, grosso modo, um dado biológico ou mórbido, poderíamos dizer: com aquela atitude, fulano apresentou bondade quatro cruzes (++++)... digamos assim.

- É... a diferença deve estar no SER e no TER. Ser bom só Deus. Nós conseguimos TER graus variados de bondade.

Todo sofrimento nos incomoda. Aí também há uma gradação, um limiar. Uns sofrimentos nos incomodam mais que os outros. O sofrimento dos outros nos incomoda também em intensidades variadas. Enfim, vivemos dentro de uma desordem difícil de compreender, um contexto, às vezes, difícil mesmo de aceitar. Somos defeituosos, não somos perfeitos. 
Não dá para compreender um Deus perfeito, que é pura bondade, baseado no que chamamos de bom, entre nós. Não sabemos o que é isso. Somos incapazes de imaginar Deus. Nas palavras de Santo Hilário de Poitiers: “Para O exprimir, as palavras só podem calar-se; para O sondar, o pensamento fica inerte; e para O alcançar, a inteligência sente-se limitada.”(De Trinitate, Hilário de Poitiers)

- Tudo é sofrimento nesta nossa dimensão, em maior ou em menor escala. Compreende-se que, se Deus viesse nos socorrer a cada vez que alguém padece com um câncer, a cada vez que há uma guerra, seria como tratar uma folha na extremidade do ramo de uma árvore, enquanto o que está podre é a raiz. Por que não curar a raiz, então?

- De acordo com o “tutorial”, a raiz já foi tratada, com a Ressurreição de Cristo, vencendo toda essa degeneração que redunda na morte.

Resta-nos seguir Jesus, a encarnação da Palavra de Deus, que sofreu, morreu e ressuscitou, para nos resgatar desse defeito que ficou em nossa raiz, desde o famoso “Pecado Original”. E, ainda segundo os entendidos, esse Evento Redentor vale para todos, antes, durante e após o período em que Jesus viveu entre nós. Eles se baseiam e se inspiram em muitos indícios e evidências para isso – assunto que dá pano para manga, nem vou tentar escrever sobre isso agora.

- Se Deus é bondade pura, logo não pode ter criado o mal; como, então, o mal se apresentou à humanidade, provocando sua falha e decadência? Por intermédio de um outro elemento da Criação? Mas de onde vem, se Deus não criou o mal? Ou criou? Além de ter dado o livre arbítrio às suas criaturas, pôs disponível uma opção diferente do que era bom? Esta história está muito mal contada.

- Claro que está mal contada! Nós não somos capazes de explicar nem o que acontece conosco hoje, como explicar tudo isso? Tampouco é  mais avançado imaginar um universo completamente ao acaso, surgido de uma energia eterna? Ou do nada? O que é o nada? Essa ideia me faz lembrar de uma fase atrasada da ciência, em que se acreditava na “geração espontânea”, considerando possível a formação espontânea de determinados seres vivos a partir de matéria orgânica, de matéria inorgânica ou de uma combinação de ambas – larvas de mosquitos brotando espontaneamente de um pedaço de carne. A comparação é grotesca, mas bastante válida.

- E se não houve pecado original nenhum? Ou seja, e se Deus criou o nosso universo da maneira como o conhecemos, com essa evolução de matéria e energia, para que surgisse nele o ser pensante? Aos poucos, este ser iria adquirindo “bondades”, até estar configurado de tal maneira a ser capaz de receber e assimilar a Sua Palavra (Jesus) e, com Ele, adquirir a “bondade” mais difícil – a eternidade.

- Pode ser... Porque a ideia de que Deus tivesse criado um universo perfeito que deu origem ao ser humano, um ser “bom” como Ele é – que seria, então, um clone de Deus – me parece tão grotesca como a das larvas brotando do pedaço de carne. Logo, se o universo criado não era perfeito, continuou não sendo, mas evoluindo...

Chega, por agora... Penso que nossa inteligência ainda não é capaz de compreender tanta coisa relacionada às nossas origens! Ainda falta muito estudo... muito ainda o que desenvolver! E, provavelmente, nem assim.

Por isso mesmo, quero entrar no clima do Natal, que comemora o nascimento de Jesus, cujo legado, com Sua Palavra de Amor e evidências de prodígios, está ao nosso alcance. Precisamos nos ater mais aos Seus ensinamentos.

 Para sempre seja louvado!
Feliz Natal a todos!
 


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