sexta-feira, janeiro 02, 2015

Para não dizer que não falei de cachorros


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Abril de 1997, férias, minha primeira visita ao Canadá, para conhecer meu namorado virtual... Numa bela tarde de primavera, fui surpreendida, sozinha em casa, com uma nevasca – muito vento lá fora, tudo ficou branco, nada se via um palmo além da porta de vidro, sequer um esboço de paisagem. O frio foi aumentando e eu sem saber ao certo como manobrar as técnicas de aquecimento. O jeito era usar o método que eu conhecia melhor, agasalhar-me. Apanhei tudo o que encontrei disponível que pudesse servir como agasalho e me encolhi no sofá, enterrada em meias, paletós e cobertores. Mas não fiquei sozinha por muito tempo. Logo, logo, comecei a escutar um chorinho de cachorro do lado de fora. Pulei do sofá e fui para a porta, tentar ver alguma coisa através do vidro. Não via nada. E sem abrir a porta, claro, voltei para o meu sofá, ainda mais angustiada, diante de mais aquele imprevisto. O medo que tenho de cães não me permitiu tomar nenhuma providência e me deixou mais triste, pensando no bichinho morrendo de frio. Será que morreu? – pensei, quando não ouvi mais o choro. Talvez ele tenha ido buscar abrigo em alguma outra casa – tentei me tranquilizar.
No final da tarde, chegou o meu namorado, que a esta altura já era bem real, não precisávamos mais da internet para nos comunicarmos, durante meu período de férias no Canadá. E eu lhe contei sobre o choro do cachorro. Ele foi do lado de fora para procurá-lo e para retirar a neve que tinha-se acumulado na entrada. Não soubemos onde ele se escondeu, só mais tarde voltamos a escutá-lo de novo. E encontramos, então, um cãozinho franzino, desnutrido, apavorado e com um sinal de que tinha apanhado de alguém. Ele parecia pedir ajuda, mas ao mesmo tempo se esquivava. Como sempre temerosa, eu pensei que ele pudesse estar doente – raiva, talvez? Pusemos um pouco de alimento lá fora e ele não demorou a se servir, longe da nossa presença. Demos-lhe água e o fato de ele ter bebido sem constrangimentos afastou a idéia de que pudesse ter hidrofobia, pelo menos.
E, assim, pouco a pouco, fomos nos acostumando uns aos outros. Quando chegou o momento de retornar ao Brasil, eu já estava quase me sentindo em família... E família com cachorro e tudo. Foi um dos poucos cães dos quais eu perdi o medo, o nosso valente Ferócio.
Mas ele nunca quis deixar de ser “vira-lata” e não se conformava em ficar somente no nosso terreno. Não abriu mão da sua liberdade. De vez em quando, sentia-se bem à vontade para ultrapassar os seus limites e ia visitar a vizinhança, não se sabe onde. Há suspeitas de que ele encontrara também uma namorada que lhe agradava com toda a sua realidade.
Um dia, ele não voltou mais. Não sabemos o que houve. Esperamos que tenha tido um final feliz.

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